No universo de O Senhor dos Anéis, os heróis não retornam sempre triunfantes e cheios de glória. Frodo Bolseiro, o hobbit que carregou o fardo do Um Anel até as chamas da Montanha da Perdição, volta ao Condado marcado por cicatrizes invisíveis, mas profundas. Ao contrário de Merry, Pippin e Sam, que são recebidos como heróis e se reintegram à vida no Condado, Frodo se vê isolado, preso às memórias traumáticas da guerra e dos horrores que enfrentou. Vamos entender um pouco sobre a escolha melancólica de Frodo para seguir ao Oeste com Gandalf.
O Herói que não pode voltar para casa

No diálogo entre Frodo e Gandalf, logo após o fim da guerra, percebemos a extensão do sofrimento de Frodo. Ele carrega as marcas de suas feridas físicas e emocionais — a facada de um Espectro do Anel, a picada de Laracna, as mordidas de Gollum — e, acima de tudo, o fardo da própria corrupção do Anel. Quando Gandalf pergunta se ele está sentindo dor, Frodo admite que sim. “Minha ferida dói, e a memória da escuridão pesa sobre mim”, ele confessa, refletindo sobre o aniversário de um ano desde a destruição do Anel.
Para Frodo, o retorno ao Condado não traz alívio; ele não consegue sentir que pertence mais àquele lugar. Como ele mesmo diz, “Não há um verdadeiro retorno. Embora eu possa vir ao Condado, ele não parecerá o mesmo; pois eu não serei o mesmo.” Ao contrário de muitos heróis da ficção que voltam mais fortes e vitoriosos, Frodo se vê mais melancólico e fragmentado, um reflexo do realismo emocional que Tolkien imprime em seus personagens.
Heróis brilhantes e Frodo, o hobbit recluso
Esse sentimento de alienação e melancolia é um aspecto chave da narrativa de J.R.R. Tolkien, que muitas vezes adota um tom agridoce. Enquanto na ficção comum os heróis são glorificados e celebrados, tornando-se ícones de força e vitória, Tolkien nos lembra que há certos fardos e cicatrizes que nunca desaparecem. Para os hobbits comuns do Condado, Frodo não era um herói aos olhos deles. Merry e Pippin, com suas armaduras brilhantes de Rohan e Gondor, e Sam, que foi eleito várias vezes como prefeito, personificavam essa imagem de triunfo. Frodo, por outro lado, parecia um hobbit doente e recluso, que nunca se recuperou totalmente. Frodo, de fato, é o salvador da Terra-média, mas sua glória pessoal é ofuscada pela dor interna que carrega.
A escolha de partir para o Oeste
Isso nos leva à decisão final de Frodo: partir para o Oeste com Gandalf, Bilbo e os elfos. Essa escolha simboliza sua busca por paz e descanso, algo que ele sabia que jamais encontraria em sua terra natal. A dor que Frodo sentia — física e espiritual — era tão profunda que ele percebeu que não poderia mais viver uma vida comum no Condado. O Oeste, as Terras Imortais, ofereciam-lhe a única possibilidade de cura. Como Gandalf sabiamente comenta, “Há feridas que nunca podem ser completamente curadas”, e para Frodo, essa cura parcial só seria possível longe da Terra-média.
Frodo e Tolkien: A guerra e suas cicatrizes

A trajetória de Frodo Bolseiro reflete, em muitos aspectos, a própria experiência de J.R.R. Tolkien com os horrores da guerra. Tolkien lutou na Primeira Guerra Mundial e viu muitos de seus amigos perecerem no campo de batalha, além de carregar para sempre as cicatrizes psicológicas desse conflito brutal. Assim como Frodo, que retorna ao Condado profundamente marcado pelos traumas da guerra e incapaz de se reintegrar plenamente à vida comum, Tolkien também lidou com as consequências do que testemunhou.
A sensação de deslocamento, o peso das memórias e a dificuldade de voltar à “normalidade” são temas centrais em O Senhor dos Anéis, e podem ser vistos como um espelho da própria luta interna de Tolkien com os traumas do passado. Em Frodo, ele captura a dor daqueles que sobreviveram, mas nunca se sentiram completamente em casa novamente, trazendo um realismo doloroso à jornada do herói.
O final agridoce de Frodo

Assim, ao final de sua jornada, Frodo não encontra a paz que muitos heróis de ficção tradicional alcançam ao voltar para casa. Em vez disso, ele faz uma escolha muito mais complexa e, em última análise, agridoce: ele abandona sua casa para sempre, em busca de um lugar onde possa, enfim, descansar. Essa partida é um testemunho do realismo emocional que Tolkien traz para seus personagens, lembrando-nos que o verdadeiro heroísmo muitas vezes vem com um custo permanente.
Frodo não voltou mais forte. Ele voltou mais sábio, mais consciente do mundo e de si mesmo, mas também mais ferido, mais melancólico. E talvez seja essa sua escolha de partir para o Oeste que realmente define seu heroísmo — reconhecer seus próprios limites e buscar paz em um lugar onde as feridas da Terra-média não podem mais alcançá-lo.
Uma resposta
Senhor dos anéis nunca foi minha praia mas sei que tem muitos fãs por ai, tudo bem detalhado lordezao curti.